sábado, dezembro 24, 2005

História Antiga


Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque não gostava de crianças.

Miguel Torga


quarta-feira, dezembro 21, 2005

O sol já volta


Hoje é o Solstício de Inverno, o que significa que o hemisfério norte está mais longe do sol do que em qualquer outra altura do ano. O que significa que a noite de hoje é a mais longa de todo o ano (que o digam os nórdicos). O que significa também que começa hoje - e só hoje - o Inverno.
Os antigos romanos festejavam o sol invictus, o sol invencível, uns dias depois, a 25, quando o sol se reerguia para começar a a crescer de poder de dia para dia. Os cristãos aproveitariam essa festividade pagã para fazer passar a festa da natividade de Cristo, que assim ficou convencionada ter ocorrido a 25 de Dezembro. Foi assim, às cavalitas do paganismo, que nasceu o Natal que hoje conhecemos.
Aproveitemos a noite. A partir de amanhã os dias serão maiores, mas só até à próxima navegação celeste extrema, que ocorrerá em Junho.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

A música que se houve por toda a vida


Há coisas de que se gosta porque nos enchem os sentidos, há outras de que gostamos porque a beleza está na sua simplicidade desarmante, e, apesar de simples, são de uma riqueza preenchedora.

Bob Dylan mostrou que não é preciso ter uma grande voz para cantar bem. A bem dizer, a voz não é o que mais interessa na música de Bob Dylan, mas sim a sua capacidade de pôr muita coisa numa forma simples. Não são precisos arranjos nem grandes arrumações: a beleza está toda na simplicidade, ou, como diz uma amiga minha, as melhores essências estão nos frascos mais pequenos.

Com uma produção assim, Dylan chegou a referência incontornável da música, não só da folk e do rock, mas de uma ideia universal de música. Fez-se homenzinho a ouvir a prodigiosa música americana das raízes, como o folk e o blues. Saiu Robert Zimmerman do seu Minnesota natal numa mota com destino a Chicago mas a meio decidiu cortar caminho para Nova Iorque, porque aí estava o seu ídolo Woody Gunthrie internado no Brooklyn State Hospital com uma doença incapacitante e Bob queria visitar o mestre. O testemunho foi passado.
Aí fez-se Bob Dylan, em homenagem ao poeta Dylan Thomas, e o mundo ganhou mais um.
Os três álbuns que editou entre 1963 e 1965 foram logo considerados dos mais importantes e influentes da música americana

Às vezes dá-me para ouvir algumas músicas até à exaustão. A última foi o Hallelujah de Leonard Cohen, na versão de Rufus Wainwright. Agora é Just Like a Woman, de Dylan. Veio-me porque o vi interpretá-la num DVD do Concerto pelo Bangladesh promovido em 1971 pelo ex-Beatle George Harrison, em casa de um amigo meu assim celebrava o se 51.º aniversário, e nisto de música ensina a muita gente. E com as músicas em estilo de prece de Bob Dylan, ainda hoje cheias de actualidade, também se aprende muito. Sobre tudo.


sexta-feira, dezembro 09, 2005

9444

Hoje a Democracia em Portugal foi prestigiada com a entrega das assinaturas dos cidadãos eleitores que propuseram Manuel Alegre para candidato a Presidente da República.
O poder de mexer com a política não está só nas mãos de alguns - está na mão de todos nós que fizemos uso da nossa liberdade individual não comprometida, que fizemos avançar mais um pouco esta ideia de país que não descansa e não desiste.
Obrigado aos 51 cidadãos que aceitaram o meu convite para usarem este gesto simples mas cheio de significado. Sem vocês não eramos 9444.


quarta-feira, dezembro 07, 2005

How do you say slaughterhouse in Portuguese?


Este é o Estádio da Luz, em Lisboa, Portugal.
Aqui eliminam-se ingleses.

sábado, novembro 26, 2005

O Poder está na palavra


Já o escrevi aqui e aqui : a série The West Wing/Os Homens do Presidente é das melhores coisas que se fizeram em televisão. Na altura em que escrevi, o AXN ia passar o episódio que encerrava a segunda série, num ponto em que o Presidente se debatia com a decisão de se recandidatar ou não, depois de ter anunciado ao público que sofria de esclerose múltipla, uma doença progressivamente incapacitante. O problema não era tanto ter a doença, era nunca tê-la revelado ao público americano, nem aos seus colaboradores próximos.

O escândalo, de dimensão semelhante ao escândalo Monica Lewinski, embora com contornos edificantes, fez com que Jed Bartlet fosse pressionado a anunciar que não se recandidataria, apesar de o Partido Democrático, ao qual pertence, querer a sua demissão para que o Vice-Presidente assumisse o cargo e lançasse a sua candidatura - tudo para em nome do superior interesse do partido. Tudo isto surge numa altura em que o Presidente vê-se a braços com um golpe de Estado no Haiti e com a morte num acidente de viação da sua amiga e secretária pessoal, que o conhecia desde que era um jovem estudante no colégio que o pai dirigia e para quem ela trabalhava.

Apesar disso, Bartlet decide - à última da hora e quando tudo indicava o contrário - recandidatar-se, e é pel a forma como tudo se sucede e é contado que interessa ver o episódio Two Cathedrals.

Não pude deixar de obter os dois episódios seguintes para matar a curiosidade. E o ponto da situação é este: Bartlet tem problemas conjugais, por ter anunciado a recandidatura, e com a sua equipa, por que nunca lhes contou da doença. Para resolver a situação é chamada uma equipa de estrategas políticos de créditos firmados, o que acarreta inevitáveis atritos com os membros do gabinete presidencial. A equipa prepara exaustivamente o discurso a apresentar numa cerimónia pensada ao milímetro para anunciar a recandidatura, e uma das questões é: deve o presidente pedir desculpa ou não, já que ainda não o fez?

Momentos antes da cerimónia ainda se discute com um dos estrategas que palavras escolher. E é então que aparece um momento de inspirada retórica política, que passo a transcrever, e que demonstra o poder da palavra na política:

- "Torpor" é uma palvra que muita gente não sabe o que significa. - Significa "apatia", "adormecimento". - Sim mas muita gente não sabe isso, e se não sabem...

(o Presidente entra na sala e interrompe a conversa)

- ... se não sabem o significado, que procurem saber. O nosso trabalho não é apelar ao mínimo denominador comum entre as pessoas, mas sim aumentá-lo. Se eu quero ser um presidente educativo, será bom não esquecer que tenho educação. Churchill e Roosevelt foram homens sérios que usaram grandes palavras para grandes objectivos.

(o Presidente dirige-se à sua equipa)

- Parece que nunca cheguei a pedir desculpa. Mas peço. Peço desculpa pelos [incómodos causados pelos] advogados, pela comunicação social, pelo medo. Estes tipos são bons e querem ganhar, tal como nós. A única coisa que queremos mais é ter razão. Será que conseguimos as duas coisas?
Há uma história nova para escrever, e nós vamos escrevê-la: pode-se se ganhar com uma campanha inteligente e disciplinada. Se nunca dissermos nada, nada que nos traga problemas, nada que possa ser uma gaffe, nada que possa indicar que pensamos o que não devemos, nada que indique que pensamos... então isso não é digno de nós, nem é digno de uma grande nação.


Parece-me muito a propósito.



sexta-feira, novembro 25, 2005

Ufa...


Lembrar-me eu que um dia saí da faculdade a pensar que advogado é que era, que no meio da angústia de dar o passo em frente sem saber se o chão me falhava aquela até podia ser a opção de futuro.
Sorte foi não ter entrado para a faculdade com esse objectivo como único, e fazer Direito porque que outra opção me poderia modelar e formar e preparar da forma que eu queria que não essa? Assim não foi desilusão, só chatice.
Ainda se o trabalho de fazer a justiça fosse uma missão confiada a nós como aos médicos se confiam as vidas, e o apoio judiciário não fosse só um forma de reduzir a vergonha do Estado por nada funcionar como deve, serviço pago à peça, a modos que um frete para se cumprir a Constituição.
Não basta ter jeito e gostar de retórica. É preciso querer ganhar a vida a fazer aquilo.
Bom seria uma coisa assim para o administrativo, de serviço público, com o cidadão à espreita.
Agora sim, está bem.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Tenho um anúncio a fazer:

Finalmente percebi as mulheres.

sexta-feira, novembro 18, 2005

A felicidade nas pequenas coisas


Apresento a mais recente paixão da minha vida: uma bola de rugby Kipsta RG 300 que comprei ontem na Decathlon por uns míseros seis euritos e noventa e cinco cêntimos, made in India e provavelmente incorporando trabalho infantil, mas isso agora não interessa nada.
Se o sonho de menino do Tony Carreira era ser cantor popular, o meu passava por muitas coisas, entre as quais ser mergulhador, jogar no Benfica e ter uma quinta onde criasse vacas. Entre as pequenas coisas que me fariam feliz estava ter uma bola de rugby a sério.
Começou quando um dia fui com a família à Feira da Agricultura em Santarém e havia uma barraquita (hoje seria um stand comercial) a oferecer uma bola de rugby (na altura era reiguebi) a quem comprasse uma palete de Capri-Sonne.
Eram famosíssimas as bolas de futebol oferecidas pela Capri-Sonne, ícone do património visual e gustativo da minha geração, feitas de um plástico rasca perfeito para rebentar nas futeboladas que se jogavam na rua, apropriadas porque se podia disparar directamente para o vidro de uma janela sem o partir, o que evitava os correspondentes ralhete e palmada.
Mas uma bola de rugby era uma coisa muuuuito à frente. Ninguém tinha uma.
A minha vida social teve um temporário sobressalto, enquanto durou o perfume da novidade. Mas a minha bola de rugby azul a dizer Capri Sonne acompanhou-me sempre até há bem pouco tempo, quando deixei de a ver, talvez desaparecida num dos frequentes surtos de febre arrumadora de que sofre o meu pai, aos quais mais propriamente poderia chamar exterminações de património.
Desde então que sonhava ter o meu dinheiro para comprar a coisa a sério. Ontem calhou.
Passo grandes bocados a mandá-la contra a parede e a apanhá-la, assim, só pelo gozo da coisa.
Agora, bom, bom, era que o Koeman me convocasse para jogar contra o Manchester.

sexta-feira, novembro 11, 2005

A 'nha terra é linda!


Poucos habitantes da cidade perceberão o encanto de viver numa terra onde se trata por tu o homem do café, ou se cumprimenta a senhora da mercearia quando a vemos na fila para o médico no posto clínico, ou se desatina com a funcionária da Junta quando andamos a recolher assinaturas para um tipo que quer ser presidente da República, apenas para acabar tudo num bem disposto "só tu para me moeres o juízo", ou se pede uns garrafões de água ao vizinho que tem um furo porque acabou a água da companhia.
Mas na cidade ainda há alguns focos de resistência à agressão da paisagem urbana ao espírito. Veja-se este trecho retirado da crónica de hoje do cityslicker Miguel Sousa Tavares no Público, sobre o seu Bairro de Campo de Ourique:

«O melhor exemplo deste espírito de liberdade e tolerância mútua que aqui presenciei é um exemplo muito politicamente incorrecto, ocorrido manhã cedo, no café onde sempre tomo o pequeno-almoço. Uma senhora, cliente habitual, pediu um café e acendeu um cigarro. Nessa altura, um sujeito que eu nunca ali tinha visto e nunca voltei a ver, empertigou-se todo e, rico de novos conhecimentos adquiridos, interpelou-a "Minha senhora, o cheiro do seu cigarro está-me a incomodar!" E ela sem sequer se voltar, soltou de lado, mas alto e bom som: "Olhe, também o seu cheiro me está a incomodar, mas eu não lhe ia dizer nada." E o intruso saiu, de rabo entre as pernas e perante os sorrisos cúmplices dos habitués (oh, eu sei, um bando de selvagens!)»

quarta-feira, novembro 09, 2005

Dos heróis


Em qualquer cultura haverá de forma mais popular ou erudita o culto dos heróis. A antiguidade clássica deixou-nos Aquiles, Ulisses, Hércules, Jasão e Teseu. Sindbad chegou-nos por contágio da Arábia. A cavalaria medieval deu-nos o estereótipo do novo herói com o rei Artur e a Távola Redonda, e Cervantes explorou exaustivamente o conceito com D. Quixote (a ele chegarei um dia).
O século XX recuperou o papel do sobrenatural e apresentou-nos os super-heróis da banda desenhada, objectos acidentais de um cientifismo delirante, em que para grandes males só mesmo super remédios.
Deste tipo de heróis, Batman é o meu preferido (lembro-me sempre do Batman na hora de vestir o fato de surf).
Batman nunca teve essas mariquices de super-poderes que fazem do trabalho dos outros super-heróis um passeio na avenida. E no entanto parece um verdadeiro super-homem. Bruce Wayne percebe que o que importa não é a pessoa por trás do fato, mas a ideia que os outros fazem dela - o poder está no símbolo. Enquanto que os outros super-heróis andam às voltas para salvar o mundo, em Batman isso apenas é um aspecto marginal da história: o que realmente interessa é a dimensão humana do mito; não o que os outros vêem naquilo que ele faz, mas aquilo que nós, espectadores da histórias, vemos no homem.
A história de Batman teve a sorte de ser pela primeira vez abordada em cinema pelo poeta que é Tim Burton. Com o Homem-Aranha o esforço nunca foi muito sério, e o resultado foi patético - mas a verdade é que também a personagem não se presta a isso.
Em Batman Begins, Christopher Nolan baralha e volta a dar, conta a história de maneira diferente, mas muito complementar à leitura de Tim Burton, embora o que se ganhe em credibilidade se perca em poética. Explicar a personagem, esmiuçar as linhas com que ela se cose, tem o risco de a desfazer, como se desmontássemos um aparelho: podemos ficar a perceber como funciona, mas também podemos não conseguir que ele volte a ser o que era para nós (para começar, porque pode não voltar a funcionar).
Eu gosto daquele Batman, o Batman que também ganha cicatrizes e nódoas negras. Aquele é o Batman que fica para a história, não o Batman de Joel Schumacher, não o Batman dos anos 60, da TV.
Batman é um grande herói porque é humano como nós. Para heróis sobrenaturais prefiro o Thermoman, na SIC Comédia ou na 2:.

domingo, novembro 06, 2005

Bom tempo


Gosto deste tempo, gosto do frio que fica depois da chuva lavar as ruas, gosto do frio que nos entra no corpo e nos puxa para procurar aconchego, gosto de andar na rua, de uma casa para outra, de casa para o café. Gosto de ir ao quintal depois de jantar apanhar uma tangerina para a sobremesa da tangerineira carregada onde uma família de passarinhos me deu a alegria de fazer o ninho. Gosto do frio porque me faz sentir mais próximo de mim mesmo.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Tropicália

Tom Jobim e Vinicius de Morais

Do Brasil vem muita coisa boa, a começar pela música. Bem, quase toda a música. É da boa música brasileira que se vai falar hoje na 2.ª hora do Cogitasons, das 23h à meia-noite, à volta dessa ambrósia musical que é a bossa nova, com uns pozinhos de MPB. O alinhamento é como segue:

João Gilberto - Chega de Saudade
Astrud Gilberto e Tom Jobim - Água de Beber
Elis Regina e Tom Jobim - Águas de Março
Elis Regina e Tom Jobim - Samba de Uma Nota Só
João Gilberto - Esse Seu Olhar
Stan Getz, Astrud e João Gilberto - Garota de Ipanema
Stan Getz, Astrud e João Gilberto - Corcovado
Tom Jobim, Miucha, Chico Buarque - Vai Levando
Frank Sinatra - Baubles Bangles and Beads
Caetano Veloso e Gal Costa - Coração Vagabundo
Tom Jobim & Sting - How Insensitive (Insensatez)
Tom Jobim - Eu Sei Que Vou Te Amar
Chico Buarque - Samba pa Vinicius
Maria Bethania - O Meu Amor
Caetano Veloso - Leãozinho
Caetano Veloso - Sozinho
Seu Jorge - Mania de Peitão
Maria Rita - Caminho das Águas
Chico Buarque - A Banda
Marisa Monte - Rosa

segunda-feira, outubro 31, 2005

Todos os Santos


Dia cinzento, céu carregado, a pesar em cima das boas almas que vão ao cemitério por estes dias compor as campas onde ficou o envólucro das que por cá passaram, cheias de flores, a maioria de plástico. Quem homenageia parece esquecer que usar flores tem implícito dizer que te dou isto como se te desse um breve momento de beleza pelo que gosto de ti e te lembro, é fugaz, esporádico e natural, gasta-se com o tempo mas permance intensamente pelo pouco que dura, assim não é a tua memória, que não se gasta e anda comigo para todo o lado, embora de vez em quando tenha de observar os ritos como este de vir aqui pôr flores numa floresta de pedras.
As flores são artificiais, o gesto nem sempre. E os mais novos, menos preocupados, vão hoje divertir-se brincando ao Halloween. Duas formas de lidar com a feiosa senhora. Qual delas a melhor.

quinta-feira, outubro 27, 2005

Outra ainda...


... é mais assim: Cogitasons, às quartas, das dez à meia-noite, na Rádio Voz do Concelho/Rádio Ribatejo (pelo menos por enquanto) em 92.2 fm.

terça-feira, outubro 25, 2005

Obsessão peregrina


Acabo de rastejar até casa depois de uma jornada de jogging de 4 Km e só dá para pensar que saudável loucura é esta do exercício físico. É uma pancada como outra qualquer. Não é só porque agora dei em surfista e estou apostado em participar no Decatlo dos Jogos Olímpicos de Pequim (e ganhar o ouro e tudo); é que numa vida equilibrada há que procurar compensações ao tabaco e ao alcóol que uma vivência socialmente saudável consome. E também porque uma pessoa incuba tensão o dia todo, simulando um quotidiano, uma rotina, e só ao sentir o esgotamento físico dá para ver como se pode recuperar de tudo.
Puxar pelo físico é como atirar pedras a um imaginário bode expiatório, e ninguém se magoa (pelo menos até ver). Houvesse mais desporto em Portugal e, por exemplo, a violência doméstica diminuiria - um pouco como o Benfica a ganhar campeonatos (mas também, a violência doméstica também é capaz de ser vista como um desporto pelos seus praticantes).
Pode ser que um dia passe. Pode ser que não. Até lá vou fazer mais uns abdominaizinhos, enquanto não me chamam o Abdominável Homem do Desporto.

quinta-feira, outubro 20, 2005

A beleza da capa só perde para o que está lá dentro


É som que invade imediatamente a corrente sanguínea, música subterrânea, aquática e etérea, tudo ao mesmo tempo. Vale a pena acordar todos os dias para ouvir um prodígio tão encantadoramente simples, tão perfeitamente trabalhado. Takk é o último dos Sigur Rós, quase tão bom como Agætis Byrjun. A Islândia não é só lava e gelo. Ditosa pátria que tais filhos tem.

domingo, outubro 16, 2005

Matámos o borrego!


Vitória COnvincente, um COndestável D. Nuno, uma exibição COtegórica e inteligente. Só é pena que a TMN tenha estragado as armaduras dos guerreiros com aquela desmesurada coisa azul-esverdeada. O logótipo é um bom logótipo, não havia necessidade de o mergulhar naquela nespécie de écran de computador. O das camisolas do Porto era mais
pequenino, mais maneirinho. Porque é que até nisso temos de ser maiores?

sexta-feira, outubro 14, 2005

Pérolas da Cultura Ocidental



Paladino da Justiça, campeão da verdade, terror da Máfia de jaquinzinhos e arroz de grelos, é ele, Duarte & Companhia, e o seu Rocinante 2 cavalos. Zé Gato foi um ensaio; a partir de Duarte nunca a televisão portuguesa seria igual.
Vou já comprar.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Só para ser original...

...não vou falar das autárquicas, nem das vitórias de Fátima Felgueiras, Isaltino de Morais, Valentim Loureiro e Isabel Damasceno. Até porque há 124 câmaras em investigação e outros tantos presidentes na calha. Mas é mau.

sábado, outubro 08, 2005

Guevara


Faz hoje 38 anos que Che Guevara foi capturado e morto pelo exército boliviano e pela CIA. Morreu um homem que presidiu a julgamentos sumários e ordenou a execução de pessoas conotadas com o regime durante a revolução cubana. Morreu, também e acima de tudo, o homem que como nenhum outro acreditava na causa da libertação dos povos e que foi o primeiro a querer levá-la ele próprio a todo o mundo.
Muito falaram de Guevara. Miguel Torga disse tudo neste poema.

terça-feira, outubro 04, 2005

Com a verdade te apagas

Ver as confrangedoras figuras que Herman José tem feito na televisão ultimamente pôs-me a questionar se a admiração que tinha por ele quando era adolescente era apenas uma infelicidade de juventude ou se o homem perdeu mesmo qualidades desde que chegou à SIC.
A RTP Memória descansou-me o espírito ao repor o Com a Verdade Me Enganas, o concurso inteiramente da sua autoria que eu via antes de jantar há coisa de dez anos atrás. Está lá o essencial do humor de Herman: provocação e piadas picantes mas inteligentes, muitas vezes na fronteira do bom gosto mas sem resvalar, e alguma subtileza, da qual entretanto desistiu. Nessa altura, Herman sabia comportar-se. Comprova-se que o homem era um grande humorista, e que a Herman Enciclopédia não era só um genial acidente de precurso, que beneficiou da colaboração inteligente de um capital humano que veio a estar na origem do que é hoje o Gato Fedorento.
Hoje, Herman é apenas um extravagante desbocado e obcecado por ser o centro das atenções, que não deixa mais ninguém brilhar, que abusa do tempo de antena para promover-se e aos seus negócios, e que se diverte a rebaixar os convidados. O serviço público de televisão impunha-lhe limites. Hoje Herman é apenas um faustoso navio desgovernado em alto mar, que sobrevive enquanto tiver rios de dinheiro para gastar. Mas Francisco Penim chegou é o novo director de programas de SIC, e já pôs toda a gente de sobreaviso. Pode ser que lhe faça bem.

sexta-feira, setembro 30, 2005

Escolher um lado

Giuseppe Pellizza da Volpedo, Il Quarto Stato

Eu sempre fui um dos que prefere um inconformista militante a um militante inconformado. Eu sempre fui também um dos que gostam de tocar a música em vez de ficar a ver a banda passar.
Em 2001 eu tinha 21 anos e juntei-me com uns amigos da minha idade para montar do zero uma candidatura autárquica no concelho de Azambuja. Não era uma candidatura independente: fomos bater à porta do Bloco de Esquerda porque achámos (e acho sempre) que devemos procurar na democracia existente as melhores formas de fazermos a nossa intervenção e na altura o BE ainda mantinha a sua aura romântica de convergência de pessoas diferentes antes de ser um partido convencionalizado (como acabaria por chegar a ser, o que é perfeitamente natural). Mas nem por isso deixou de ser uma candidatura feita a partir do zero: do BE apenas recebemos algumas fotocópias tiradas no grupo parlamentar, alguns autocolantes e uns poucos cartazes, para além da enorme simpatia e disponibilidade do Francisco Louçã em vir apresentar a nossa candidatura.
Com quarenta contos fizemos uma campanha, e recebemos uma subvenção do Estado de duzentos e setenta. Andámos a cortar madeira de coelheiras e galinheiros que os nossos pais tinham em casa para fazermos placards onde colámos oito cartazes recauchutados da convenção autárquica do Bloco desse anos - nada que um pouco de tinta em spray não resolva. Gastámos o dinheiro que enquanto estudantes não tínhamos a palmilhar o concelho até ao último lugar (alguém sabe onde fica Carvalhos? É depois de Casais de Além).

Não era uma candidatura independente, mas todos nela éramos independentes. E o que fazíamos, o que dizíamos e escrevíamos era com a seriedade, estudo e trabalho que deve ser posto em tudo o que se quer grandioso. No fim, quase ganhámos a Junta de Freguesia de Vale do Paraíso e eu fiquei a 128 votos de ser eleito para a Assembleia Municipal (não se iludam: ainda assim era um terço da nossa votação). E foi esta a nossa vitória. Nunca mais me digam que aos 21-22 ainda se é demasiado novo para fazer o quer que seja de jeito.

Serve isto tudo para dizer que decidi apoiar Manuel Alegre para Presidente da República, por muito respeito que me mereça Mário Soares, e explicar porquê. Porque acho que a política séria e edificante se faz do equilíbrio entre o peso do institucional e a ligeireza do informal, entre avançar porque tem de ser e avançar só para não perde uma oportunidade de ir a jogo, entre o inevitável e o desejável. No meio destas coordenadas é preciso escolher lados, e eu escolhi o meu.

Votarei em Manuel Alegre porque acredito na democracia em que ele acredita, e para isso vou pôr mãos à obra e recolher as assinaturas que conseguir para que a candidatura siga. Porque, como já disse, não importam as derrotas que sofremos, importam sim as vitórias que não temos por recusarmos o combate.

Para mais informação, www.manuelalegre.com

quarta-feira, setembro 28, 2005

Radiofilia

Para ouvir hoje na 2.ª hora do Cogitasons, das 22h às 0h, em 92.2 - Rádio Voz do Concelho/Rádio Ribatejo.

Gabriel, O Pensador - Tás a Ver?
Devendra Banhart - Santa Maria da Feira
Nick Cave - Knoxville Girl
Sufjan Stevens - The Man from Metropolis Steal
Micah P. Hinson - Close Your Eye
Andrew Bird - The Naming of Things
Smog (Bill Calahan) - Rock Bottom Riser
Mark Kozelek - Rock and Roll Singer
Rufus Wainwright - Hallelujah
Old Jerusalem - Seasons
Clã - Lado Esquerdo
Marisa Monte - Rosa
Badly Drawn Boy - The Shining

sexta-feira, setembro 23, 2005

Parece Mentira - e é mesmo

Veja-se o que se passou em Felgueiras e imagine-se o que poderia ter sido notícia num jornal imaginário que circulasse em Portugal. Qualquer coisa como isto:


"Bibi zangado por não poder ir a Manchester com o Benfica
José Maria Martins deixará de ser o advogado de Carlos Silvino. O principal arguido do processo Casa Pia não gostou de saber pela televisão que uma pessoa privada de liberdade pode tirar férias da prisão se for candidato às eleições autárquicas. «Afinal para que é que lhe pago?», declarou ao correspondente do Inimigo Público no Estabelecimento Prisional de Lisboa. «Acho que ele tinha medo que eu lhe ofuscasse a candidatura a Presidente da República. Eu sempre achei que tinha hipóteses de ser presidente da Junta de Freguesia do Rêgo, tal como ele tem de ser Presidente. Dei-lhe todo o meu apoio. Mas isso também não era o mais importante. Ainda por cima, esta era uma oportunidade única de ir ver o Benfica jogar a Old Trafford». Sobre os passos a dar na sua defesa, Silvino afirmou que, assim que conseguir carregar o telemóvel, entrará em contacto com o advogado de Fátima Felgueiras. «Essa é que falou bem: à justiça o que é da justiça e à política o que é da política. Eu por mim gostava de sair da justiça e entrar na política»".


Não aconteceu, mas podia ter acontecido.

quarta-feira, setembro 21, 2005

O Meu Presidente: Jed Bartlet


Na série de televisão Os Homens do Presidente, Jed Bartlet recuperou da situação de outsider para ganhar as primárias do Partido Democrático a um candidato mais popular e com maior orçamento, e tornou-se presidente dos Estados Unidos vencendo no colégio eleitoral um candidato Republicano que obteve mais votos.
Bartlet é um economista brilhante, com um Prémio Nobel no currículo, descendente de um dos signatários da Declaração de Independência, homem de inteligência superior, íntegro mas de carácter não infalível, para quem não importam as derrotas, mas sim perder por não ir à luta. É considerado um liberal no mais estrito sentido do termo, o que nos Estados Unidos equivale a chamar a alguém socialista - e que não é propriamente um elogio.
A série desenvolve-se nos bastidores da Casa Branca e acompanha o quotidiano da equipa do presidente nas tarefas diárias de fazer política e governar. Os membros da equipa são idealistas, e põem um genuíno sentido de missão em tudo o que fazem, mas sabem com que linhas é preciso coser para que o trabalho seja feito.
A genialidade da série está em tratar os habitualmente maçudos assuntos políticos em produto televisivo de qualidade, e está, sobretudo, na forma como um enredo que tem tudo para ser demagógico não o é, bem pelo contrário. É a política enquanto arte do compromisso, actividade nobre mas cheia de podres com os quais é preciso lidar para aspirar à grandeza.
Bartlet é um presidente do outro mundo, pessoa em quem até os defeitos são edificantes, mas é uma personagem credível enquanto projecção na ficção de tudo o que se espera que um político deva ser.
A série passa ou já passou na TVI, que a chutou para o horário impróprio das 3 da madrugada. A melhor forma de acompanhar Os Homens do Presidente é pelo AXN da TV Cabo, quintas-feiras às 21h30. O episódio de amanhã, Two Cathedrals, é absolutamente imperdível para quem queira perceber o que acabo de dizer. Eu não resisti ao suspense dos episódios anteriores e saquei-o da net. É das coisas mais bem feitas que já vi em televisão.
Não há, no mundo real, político algum que possa obter do público a simpatia que tem Josiah Bartlet pelo simples facto de lhe espiolharmos a vida na televisão. Mas também, de certeza que não há ninguém no mundo como Jed Bartlet.
O mundo precisa de mais homens como Jed Bartlet. Que ele exista só na televisão já é um princípio.

Para saber mais: http://en.wikipedia.org/wiki/Jed_bartlet

segunda-feira, setembro 19, 2005

Palavra e Utopia


Ouvir o concerto ao vivo de José Afonso no Coliseu dos Recreios em 1983 é uma higienização que se faz à alma. Uma voz que se aguenta contra a doença, um homem que se mantém de pé contra a ventania, não por teimosia, mas porque aprendeu a andar de cabeça erguida e a olhar para a frente.
Quando José Afonso morreu eu tinha sete anos e vi os meus pais derramarem um discreta lágrima ao canto do olho, uma lágrima de dignidade, de amizade e de solidariedade. Era muito novo, mas percebi que tinha morrido um homem bom.
Ontem voltei a ele. De vez em quando dá-me para isso. Só temos a aprender com os bons exemplos.

terça-feira, setembro 13, 2005


As fábulas são histórias que se passam num mundo alternativo, mas que é sempre uma projecção do mundo real em que vivemos. Os personagens são caracterizados em traços carregados e exagerados, como arquétipos de tipos sociais e psicológicos. Muitas são recolhidas da tradição oral de um povo, como no caso dos Irmãos Grimm, ou correspondem a um exercício de idealismo, como no caso de Esopo e Hans Christian Andersen. Por isso é justo dizer que numa fábula é mais importante a forma como se conta e reconta do que o processo da sua criação.
Um dos melhores contadores de histórias do cinema contemporâneo é precisamente Tim Burton, em cujo mundo mágico, de histórias comoventes sobre personagens estranhas em ambientes delirantes Willy Wonka é o mais recente cromo a sair para a caderneta, e Charlie o anjo que o tutela.
Charlie é a criatura angelical cuja infância, difícil mas não infeliz, em contraponto a tudo o que as outras crianças do filme representam, ensina Wonka a reconciliar-se com o seu passado. E aqui um o paralelismo com Eduardo Mãos de Tesoura torna-se possível.
Uma história simples, sem nada de especial, que é transformada por Tim Burton em monumento cinematográfico, pela forma como é contada, pelas subtilezas inteligentes e pormenores deliciosos que exigem atenção do espectador. Completamente inverosímil, mas perfeitamente credível. É isso que faz de Tim Burton o génio do cinema que é.

domingo, junho 19, 2005


 Posted by Hello

quarta-feira, junho 15, 2005

O Patriarca Vermelho

O que fica da passagem de Álvaro Cunhal pela vida é uma herança ambígua na sua apreciação.
Apesar de ser uma personagem cujos feitos e traços de personalidade foram carregados de simbologia revolucionária pela hagiografia comunista (e pelo próprio), é certo que passou pela prisão e sofreu o que a ditadura lhe inflingiu sem perder de vista o objectivo final.
Apesar de ter tentado instaurar em Portugal um regime soviético, dou-lhe o benefício de achar que o fazia com a benigna intenção de defender o seu povo, mesmo que se tenha recusado a acreditar na preversão que aquilo que defendia se tornou na Coreia do Norte ou na China (embora fosse crítico do maoísmo), ou na Europa de Leste.
Cunhal é idolatrado de um lado e enxovalhado do outro. Por mim, vejo-o como a mãe do protagonista de "Adeus Lenine", cuja fé inabalável no regime era a razão da sua vida: não sei se se pode pedir a alguém que deu tanto por uma causa que tenha cabeça fria para concluir sossegadamente que afinal não é bem assim.
Apesr de tudo, Cunhal foi um resistente e um combatente pela liberdade, aquele a quem o povo acolheu em êxtase em Santa Apolónia e depois no 1º de Maio, mais até do que a Mário Soares, que pululava de um lado para o outro a apanhar apanhar as sobras do seu magnetismo e da sua aclamação.
A história deu razão a Soares. Mas por tudo o que Cunhal representou para a luta do seu povo, inclino-me perante a sua memória.

segunda-feira, junho 13, 2005

Viagem

Miguel Torga punha as coisas de forma a que, depois de lidas, ficasse uma tal sensação de plenitude que parece que tudo já foi escrito. Como este poema que sei de cor desde que pela primeira vez o vi no meu livro de Português do 10.º ano, e me tem servido de paliativo até hoje:


Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoieiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O Velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.