sexta-feira, setembro 30, 2005

Escolher um lado

Giuseppe Pellizza da Volpedo, Il Quarto Stato

Eu sempre fui um dos que prefere um inconformista militante a um militante inconformado. Eu sempre fui também um dos que gostam de tocar a música em vez de ficar a ver a banda passar.
Em 2001 eu tinha 21 anos e juntei-me com uns amigos da minha idade para montar do zero uma candidatura autárquica no concelho de Azambuja. Não era uma candidatura independente: fomos bater à porta do Bloco de Esquerda porque achámos (e acho sempre) que devemos procurar na democracia existente as melhores formas de fazermos a nossa intervenção e na altura o BE ainda mantinha a sua aura romântica de convergência de pessoas diferentes antes de ser um partido convencionalizado (como acabaria por chegar a ser, o que é perfeitamente natural). Mas nem por isso deixou de ser uma candidatura feita a partir do zero: do BE apenas recebemos algumas fotocópias tiradas no grupo parlamentar, alguns autocolantes e uns poucos cartazes, para além da enorme simpatia e disponibilidade do Francisco Louçã em vir apresentar a nossa candidatura.
Com quarenta contos fizemos uma campanha, e recebemos uma subvenção do Estado de duzentos e setenta. Andámos a cortar madeira de coelheiras e galinheiros que os nossos pais tinham em casa para fazermos placards onde colámos oito cartazes recauchutados da convenção autárquica do Bloco desse anos - nada que um pouco de tinta em spray não resolva. Gastámos o dinheiro que enquanto estudantes não tínhamos a palmilhar o concelho até ao último lugar (alguém sabe onde fica Carvalhos? É depois de Casais de Além).

Não era uma candidatura independente, mas todos nela éramos independentes. E o que fazíamos, o que dizíamos e escrevíamos era com a seriedade, estudo e trabalho que deve ser posto em tudo o que se quer grandioso. No fim, quase ganhámos a Junta de Freguesia de Vale do Paraíso e eu fiquei a 128 votos de ser eleito para a Assembleia Municipal (não se iludam: ainda assim era um terço da nossa votação). E foi esta a nossa vitória. Nunca mais me digam que aos 21-22 ainda se é demasiado novo para fazer o quer que seja de jeito.

Serve isto tudo para dizer que decidi apoiar Manuel Alegre para Presidente da República, por muito respeito que me mereça Mário Soares, e explicar porquê. Porque acho que a política séria e edificante se faz do equilíbrio entre o peso do institucional e a ligeireza do informal, entre avançar porque tem de ser e avançar só para não perde uma oportunidade de ir a jogo, entre o inevitável e o desejável. No meio destas coordenadas é preciso escolher lados, e eu escolhi o meu.

Votarei em Manuel Alegre porque acredito na democracia em que ele acredita, e para isso vou pôr mãos à obra e recolher as assinaturas que conseguir para que a candidatura siga. Porque, como já disse, não importam as derrotas que sofremos, importam sim as vitórias que não temos por recusarmos o combate.

Para mais informação, www.manuelalegre.com

quarta-feira, setembro 28, 2005

Radiofilia

Para ouvir hoje na 2.ª hora do Cogitasons, das 22h às 0h, em 92.2 - Rádio Voz do Concelho/Rádio Ribatejo.

Gabriel, O Pensador - Tás a Ver?
Devendra Banhart - Santa Maria da Feira
Nick Cave - Knoxville Girl
Sufjan Stevens - The Man from Metropolis Steal
Micah P. Hinson - Close Your Eye
Andrew Bird - The Naming of Things
Smog (Bill Calahan) - Rock Bottom Riser
Mark Kozelek - Rock and Roll Singer
Rufus Wainwright - Hallelujah
Old Jerusalem - Seasons
Clã - Lado Esquerdo
Marisa Monte - Rosa
Badly Drawn Boy - The Shining

sexta-feira, setembro 23, 2005

Parece Mentira - e é mesmo

Veja-se o que se passou em Felgueiras e imagine-se o que poderia ter sido notícia num jornal imaginário que circulasse em Portugal. Qualquer coisa como isto:


"Bibi zangado por não poder ir a Manchester com o Benfica
José Maria Martins deixará de ser o advogado de Carlos Silvino. O principal arguido do processo Casa Pia não gostou de saber pela televisão que uma pessoa privada de liberdade pode tirar férias da prisão se for candidato às eleições autárquicas. «Afinal para que é que lhe pago?», declarou ao correspondente do Inimigo Público no Estabelecimento Prisional de Lisboa. «Acho que ele tinha medo que eu lhe ofuscasse a candidatura a Presidente da República. Eu sempre achei que tinha hipóteses de ser presidente da Junta de Freguesia do Rêgo, tal como ele tem de ser Presidente. Dei-lhe todo o meu apoio. Mas isso também não era o mais importante. Ainda por cima, esta era uma oportunidade única de ir ver o Benfica jogar a Old Trafford». Sobre os passos a dar na sua defesa, Silvino afirmou que, assim que conseguir carregar o telemóvel, entrará em contacto com o advogado de Fátima Felgueiras. «Essa é que falou bem: à justiça o que é da justiça e à política o que é da política. Eu por mim gostava de sair da justiça e entrar na política»".


Não aconteceu, mas podia ter acontecido.

quarta-feira, setembro 21, 2005

O Meu Presidente: Jed Bartlet


Na série de televisão Os Homens do Presidente, Jed Bartlet recuperou da situação de outsider para ganhar as primárias do Partido Democrático a um candidato mais popular e com maior orçamento, e tornou-se presidente dos Estados Unidos vencendo no colégio eleitoral um candidato Republicano que obteve mais votos.
Bartlet é um economista brilhante, com um Prémio Nobel no currículo, descendente de um dos signatários da Declaração de Independência, homem de inteligência superior, íntegro mas de carácter não infalível, para quem não importam as derrotas, mas sim perder por não ir à luta. É considerado um liberal no mais estrito sentido do termo, o que nos Estados Unidos equivale a chamar a alguém socialista - e que não é propriamente um elogio.
A série desenvolve-se nos bastidores da Casa Branca e acompanha o quotidiano da equipa do presidente nas tarefas diárias de fazer política e governar. Os membros da equipa são idealistas, e põem um genuíno sentido de missão em tudo o que fazem, mas sabem com que linhas é preciso coser para que o trabalho seja feito.
A genialidade da série está em tratar os habitualmente maçudos assuntos políticos em produto televisivo de qualidade, e está, sobretudo, na forma como um enredo que tem tudo para ser demagógico não o é, bem pelo contrário. É a política enquanto arte do compromisso, actividade nobre mas cheia de podres com os quais é preciso lidar para aspirar à grandeza.
Bartlet é um presidente do outro mundo, pessoa em quem até os defeitos são edificantes, mas é uma personagem credível enquanto projecção na ficção de tudo o que se espera que um político deva ser.
A série passa ou já passou na TVI, que a chutou para o horário impróprio das 3 da madrugada. A melhor forma de acompanhar Os Homens do Presidente é pelo AXN da TV Cabo, quintas-feiras às 21h30. O episódio de amanhã, Two Cathedrals, é absolutamente imperdível para quem queira perceber o que acabo de dizer. Eu não resisti ao suspense dos episódios anteriores e saquei-o da net. É das coisas mais bem feitas que já vi em televisão.
Não há, no mundo real, político algum que possa obter do público a simpatia que tem Josiah Bartlet pelo simples facto de lhe espiolharmos a vida na televisão. Mas também, de certeza que não há ninguém no mundo como Jed Bartlet.
O mundo precisa de mais homens como Jed Bartlet. Que ele exista só na televisão já é um princípio.

Para saber mais: http://en.wikipedia.org/wiki/Jed_bartlet

segunda-feira, setembro 19, 2005

Palavra e Utopia


Ouvir o concerto ao vivo de José Afonso no Coliseu dos Recreios em 1983 é uma higienização que se faz à alma. Uma voz que se aguenta contra a doença, um homem que se mantém de pé contra a ventania, não por teimosia, mas porque aprendeu a andar de cabeça erguida e a olhar para a frente.
Quando José Afonso morreu eu tinha sete anos e vi os meus pais derramarem um discreta lágrima ao canto do olho, uma lágrima de dignidade, de amizade e de solidariedade. Era muito novo, mas percebi que tinha morrido um homem bom.
Ontem voltei a ele. De vez em quando dá-me para isso. Só temos a aprender com os bons exemplos.

terça-feira, setembro 13, 2005


As fábulas são histórias que se passam num mundo alternativo, mas que é sempre uma projecção do mundo real em que vivemos. Os personagens são caracterizados em traços carregados e exagerados, como arquétipos de tipos sociais e psicológicos. Muitas são recolhidas da tradição oral de um povo, como no caso dos Irmãos Grimm, ou correspondem a um exercício de idealismo, como no caso de Esopo e Hans Christian Andersen. Por isso é justo dizer que numa fábula é mais importante a forma como se conta e reconta do que o processo da sua criação.
Um dos melhores contadores de histórias do cinema contemporâneo é precisamente Tim Burton, em cujo mundo mágico, de histórias comoventes sobre personagens estranhas em ambientes delirantes Willy Wonka é o mais recente cromo a sair para a caderneta, e Charlie o anjo que o tutela.
Charlie é a criatura angelical cuja infância, difícil mas não infeliz, em contraponto a tudo o que as outras crianças do filme representam, ensina Wonka a reconciliar-se com o seu passado. E aqui um o paralelismo com Eduardo Mãos de Tesoura torna-se possível.
Uma história simples, sem nada de especial, que é transformada por Tim Burton em monumento cinematográfico, pela forma como é contada, pelas subtilezas inteligentes e pormenores deliciosos que exigem atenção do espectador. Completamente inverosímil, mas perfeitamente credível. É isso que faz de Tim Burton o génio do cinema que é.