sábado, julho 01, 2006

Interlúdio. Ponto de Situação.

I would rather be ashes than dust!
I would rather that my spark should burn out in a brilliant blaze than it should be stifled by dry-rot.
I would rather be a superb meteor, every atom of me in magnificent glow, than a sleepy and permanent planet.
The function of man is to live, not to exist.
I shall not waste my days trying to prolong them.
I shall use my time.
O Credo de Jack London, por Irving Shepard

quarta-feira, maio 03, 2006

Dublin, what a city!


Portanto, eu tenho de há muito esta empatia com tudo o que é celta, uma certa congenialidade espiritual com aquele sentir as coisas que W.B. Yeats foi buscar aos antepassados para pôr na sua poesia, e tinha de ir à Irlanda. Fui.
E lá me fui tentar entranhar como podia na cidade de Dublin (e só Dublin porque para o resto era curto o fim-de-semana) e na maneira de viver daquela gente que acabei por descobrir ser mais do que se possa pensar, de simpatia autêntica e afabilidade genuína que dá vontade de trazer um irlandês para ter em casa, como se fosse um Leprechaun.
Calhou, ainda por cima, no fim de semana em que passavam 90 anos sobre a Revolta da Páscoa, rebelião patriótica esmagada pelos britânicos que lançou a independência da Irlanda. Não que houvesse muito assinalado, para além de uns cartazes (o centenário de Beckett estava mais presente), mas para mim esse ambiente temporal conta.
Lá fui à procura da cidade de rebelião política, da cidade literária de Joyce, Yeats e Wilde. Estava lá tudo à minha espera.
Aqui vai poder-se ver, aos poucos, o que por lá há.

terça-feira, abril 25, 2006

A Revolução que tanto amamos


Foi na sequência da Ávinho em Aveiras. Desafiei os escuteiros que ficaram este ano com a taberna do Chico da Serra. Aceitaram prolongar a festa do vinho e das adegas por mais um dia para além do fim de semana e comemorar o 25 de Abril à segunda-feira. O 25.
Não houve imposição de escolha musical, não houve nada. Apenas uma sugestão bem acolhida. Eu nem gosto do escutismo, só destes escuteiros de quem sou amigo.
Foi bonita a festa, pá!
Cartazes do 25 e música do Zeca. Discussão política com todos os pontos de vista representados - ou melhor, possibilidade de discutir tudo e mais qualquer coisa.
As cabeças estavam alertas e dispostas a debater e discutir. Não sei se por teimosia ou por disposição, mas sei que o tema desta festa abriu muitas portas. E o 25 de Abril aconteceu. A bem ou a mal, a discussão aconteceu. O que era bom, o que era mau, tudo isso apareceu. A política como está, como devia ser, apareceu. Os conflitos surgiram, o diálogo proporcionou-se, e à razão deixou-se o lugar devido.
Disse, pois disse. E ainda bem que há democracia, nem que seja à volta de um copo de cerveja ou vinho.
Depois de vir a casa deixar os posters que serviram de decoração ao espaço da taberna do Chico da Serra, senti que havia alguma coisa a dizer, e que não era por estar ébrio que deixaria de o dizer. E por isso voltei. Disse-o. O 25 fez-se por uma sociedade idealizada que não pode conhecer limites de classe ou posição social. O 25 fez-se para que haja liherdade e tolerância. Ainda bem que a liberdade fala pelas mais estranhas formas. Só assim pode o 25 acontecer nas pequenas coisas. Sem atavios ou prisões. Só a liberdade. Hoje o 25 aconteceu. A mensagem passou, e eu, um pequeno elemento na correia de transmissão, deixarei e farei com que aconteça todos os dias. Que bela forma de homenagear a geração dos meus pais! Que belo presente é a liberdade!

terça-feira, abril 11, 2006

Dia de Anos


Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!

Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!

Não faça tal: porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa: que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.

Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!

João de Deus

quinta-feira, abril 06, 2006

Enfim...

Interrompemos aqui este interlúdio futebolístico. A realidade segue dentro de momentos.

quarta-feira, março 08, 2006

Dois porta-aviões ao fundo

Simãozinho, és um gigante!

Agora sim, podemos gritar à vontade. E começar a acreditar que, feito mais do que a nossa obrigação ao chegarmos até aqui, há-de ser sempre a aviar fruta. Isso é o que ser Benfiquista tem de bonito - qual realismo, qual quê, um bom benfiquista quer-se fanfarrão.
Já estou a ver o trambolho do Beto a fugir pelo campo fora, agarrado à taça, na final do Stade de France, e a brasileirada a rezar ao orixá de cada um, com o Koeman ao fundo a ser rebolado pelo relvado fora por uma multidão de emigrantes portugueses, que assistia ao jogo no exterior do estádio e forçou as barreiras, celebrando o feito com uma expressiva, mas pacífica, invasão de campo, enquanto os Champs Elisées são ocupados e reivindicados como região autónoma de Portugal por uma noite. Ah, o sonho, o delírio!
Batam lá isto em fanfarronice.




segunda-feira, março 06, 2006

Orgulha-te, pá!


Bonita a festa de ontem dos Oscars. Valeu a pena ficar acordado para ver Jon Stewart a apresentar uma cerimónia politicamente comprometida, (e comprometida para o meu lado, ainda melhor) com um discurso de George Clooney de que não resisto a transcrever um trecho:

"Diria que de vez em quando em Hollywood andamos um pouco desajustados. Acho que provavelmente é bom. Fomos nós que falámos de SIDA quando o assunto apenas é murmurado, e falámos de direitos civis quando isso não era popular. E trazemos os assuntos ao de cima. Esta Academia, este grupo de pessoas deram um Oscar a Hattie McDaniel em 1939 quando os negros ainda tinham de se sentar nas últimas filas dos cinemas. Tenho orgulho em pertencer a esta Academia. Orgulho em fazer parte desta comunidade, e orgulho em estar desajustado."

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Como é que se extravasa a alegria...


Luisão, aquela pequena área é toda tua, e no minuto 84' de cada jogo cheira a morte se há algum livre do Petit.
Calma, a tampinha bem fechada que ainda não é tempo de a soltar.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

A cavalo nas ondas


Depois da neve - não tão rapidamente como a sucessão de posts pode dar a entender - a praia, e o surf na baía do Baleal. Não me interessa a tribo que está por trás do surf ou o estereótipo de surfista-gajo-fora-da-realidade, até porque não sou dado a estereótipos, e os meus companheiros de ondas não são assim. Não me interessa o modo de vida despreocupado, por muito aliciante que seja. Interessa-me o surf, não o surfismo.
O que me alicia é aquela vertigem de velocidade quando se desce a onda, com os olhos a rasar a água e o nariz cheio de sal, antes de nos levantarmos, e depois experimentar a brevíssima sensação de domínio absoluto nos segundos que conseguimos ficar de pé em cima da prancha, como se caminhássemos por cima da água, como Jesus na Galileia.
É encarar o mar monumental e não se importar com a nossa própria insignificância, entrar sem medo mas com respeito, pormo-nos em bicos de pés para agarrar um poucochinho de infinito.
Ah, a vida...

domingo, janeiro 29, 2006

Neve


Nevou no país do sol, e por um dia a paisagem de Aveiras parecia a de um postal ilustrado dos Alpes. Já vi nevar, já vi de tudo.


segunda-feira, janeiro 23, 2006

Foi bonita a festa, pá!


Pouco passava das sete e meia da noite quando saí de casa para saber os resultados. Mal dobrei a esquina dei com um conterrâneo que descia a rua de bicicleta, em sentido contrário. «O Manel ganhou! O Manel ganhou!». Parei. Depois corri à maluca para a Assembleia de Voto para confirmar. Era verdade. E enquanto passava os resultados para o caderno onde registo a minha vida, comecei a estremecer de emoção. No meio da derrota que se adivinhava esta era uma consolação: Aveiras era Alegre. E assim também foram Vale do Paraíso e Vila Nova de S. Pedro.
Depois vieram as projecções. Pronto, lá ia conceder e ter de levar com o triunfalismo dos desbocados da direita.
Mas não. Cavaco aguentou-se à primeira, mas a marcha do apuramento de resultados ia-lhe corroendo progressivamente a vitória. O Manel ficou a seis décimas da segunda, e não usou o bom resultado para esfregar no nariz do partido.
Há derrotas saborosas, e esta foi uma dessas.
A julgar pelas derrotas saborosas que tenho tido, diria que estou quase a ganhar alguma coisa.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Acreditar até ao fim


Ontem estive no Pavilhão Atlântico. Não eramos vinte mil, mas também não tínhamos autocarros para nos trazer, nem andámos a arregimentar rebanhos para lá ir, como diz o candidato. Quem lá foi, foi porque tinha vontade de ir, não porque calhava.
A campanha de Manuel Alegre teve sempre esta tónica: quem apareceu, apareceu com uma enorme vontade. Quem apareceu fê-lo por amor à liberdade, e não porque tinha de fazer o frete ao partido. Esta vontade que move montanhas através de gestos simples é uma força muito poderosa que dará resultados no Domingo. É nisso que acredito, contra os que desanimam e se conformam com a coroação há muito anunciada.
Acredito na passagem à segunda volta por muitas razões.
Porque há muita gente indecisa que pode a todo o momento descair para o nosso lado. Porque nesse momento solitário e secreto em que se entra na cabine de voto e pomos o papel à nossa frente muita coisa nos passa pela cabeça. Porque nesse momento em que ninguém está a ver somos integralmente livres. Porque aí não há confusão possível entre quem achamos que vai ganhar, quem achamos que pode ganhar e quem queremos que ganhe, e a nossa vontade é soberana. E por último, porque em última análise a capacidade de sonhar e rasgar horizontes vale mais do que a capacidade de fazer contas, a vontade de ganhar vale mais do que a vontade de mandar. Merece mais ganhar aquele que luta do que aquele que acha que o lugar lhe está destinado.
No domínio da possibilidade, as probabilidades estão repartidas: a vitória de Cavaco à primeira volta é provável, mas a segunda volta também o é. Não é só um delírio visionário, é uma possibilidade cada vez mais concreta.
Aos que me chamam utópico respondo que essa é a única maneira de que vale a pena viver a vida. A utopia não é o irrealizável, é o que ainda não está realizado. A utopia é esse horizonte em movimento em direcção ao qual caminhamos sem a certeza de chegar mas com a certeza de que no caminho tudo o que fazemos é ganho.
Recuso a desilusão, o desânimo e o conformismo. Esses são os verdadeiros nomes da ameaça, pegando no que disse o poeta ainda ontem. Como já disse muitas vezes, só perdemos os combates em que não vamos à luta. Até ao árbitro apitar há jogo, e o prolongamento está perto. Só é preciso aceditar na força da nossa vontade de sermos livres, como no poema de Manuel Alegre de que se fez o hino da juventude, e que deixo em baixo.

Letra para um hino

É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.

É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.

É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.

Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Alegria, alegria!

Aos poucos a mensagem vai-se tornando contagiante. De boca em boca, passando a palavra aos amigos, roendo o pessimismo e o desânimo, enquanto Cavaco se afunda Manuel Alegre vai descolando de Soares, suportado pela multidão que não desiste, que acredita.
A alegria anda no ar.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

King Jackson


Há na obra de Peter Jackson um padrão de evolução muito semelhante à de Spielberg. A começar por, através de um blockbuster que lhe encheu os bolsos, ter conquistado o direito de fazer em cinema tudo o que quer e lhe apetece sem ter de se preocupar com dinheiro ou com agradar a alguém. E depois é o próprio modo de fazer cinema. Vemos um filme seu e a sensação que se tem antes de qualquer outra é a de que o homem se diverte imenso a fazer aquilo, e procura divertir os outros, sem preocupações académicas ou de respeito a qualquer cânone, mas sem qualquer superficialidade. Até na orgia de sangue que é Braindead não há futilidade no meio de toda a inverosimilhança que existe numa praga de canibalismo zombie propagada por contaminação de criptozoológica de ratazanas.
Os seus filmes são consistentes, têm conteúdo sem deixarem de ser lúdicos, mas não são propriamente do tipo de filme de Domingo à tarde, limitados a uma mera função de entertenimento despreocupado. Conseguir isso é, para mim, conseguir a quadratura do círculo.
Vai-se ver o King Kong e pelo preço do bilhete tem-se divertimento à velha maneira de Hollywood e momentos de sublime inspiração, como a relação que se cria entre a Bela e o Monstro, mais aprofundada do que na versão original e que culmina na coreografia do "beau-ti-full": contenção de recursos estilísticos e uma grande capacidade de síntese que está em dizer muito falando pouco.
O filme é rico em pormenores que não escapam à atenção de cinéfilo, incluídos com toda a subtileza.
O realizador Carl Denham, dado a delírios e megalomanias de génio, preocupado com a sua obra acima de tudo o resto, tem traços carregados de Orson Welles, com referência, en passant, a Cecil B. De Mille, o pai dos monumentais épicos da era de ouro de Hollywood.
A Fay a que se refere quando procura uma actriz para substituir a protagonista é Fay Wray, que fez o papel de Ann Darrow no filme original, e filme que se diz estar a fazer para a RKO é o próprio King Kong de 1933 (este é feito pela Universal).
No filme original há uma cena em que o capitão fala com Ann sobre o inconveniente de ter mulheres a bordo. No filme de Jackson, a cena é repescada para o filme dentro do filme, e é realizada por Carl Denham no barco, ainda em viagem.
E a minha preferida: o livro que o jovem grumete anda sempre a ler, "para se instruir", é Coração das Trevas, de Joseph Conrad, o livro que serviu de inspração a Apocalypse Now, e que trata de uma viagem pelo rio Congo acima, à procura de um louco (o monstro), e a caminho da loucura.
Apropriado, mais do que apropriado.