domingo, janeiro 29, 2006

Neve


Nevou no país do sol, e por um dia a paisagem de Aveiras parecia a de um postal ilustrado dos Alpes. Já vi nevar, já vi de tudo.


segunda-feira, janeiro 23, 2006

Foi bonita a festa, pá!


Pouco passava das sete e meia da noite quando saí de casa para saber os resultados. Mal dobrei a esquina dei com um conterrâneo que descia a rua de bicicleta, em sentido contrário. «O Manel ganhou! O Manel ganhou!». Parei. Depois corri à maluca para a Assembleia de Voto para confirmar. Era verdade. E enquanto passava os resultados para o caderno onde registo a minha vida, comecei a estremecer de emoção. No meio da derrota que se adivinhava esta era uma consolação: Aveiras era Alegre. E assim também foram Vale do Paraíso e Vila Nova de S. Pedro.
Depois vieram as projecções. Pronto, lá ia conceder e ter de levar com o triunfalismo dos desbocados da direita.
Mas não. Cavaco aguentou-se à primeira, mas a marcha do apuramento de resultados ia-lhe corroendo progressivamente a vitória. O Manel ficou a seis décimas da segunda, e não usou o bom resultado para esfregar no nariz do partido.
Há derrotas saborosas, e esta foi uma dessas.
A julgar pelas derrotas saborosas que tenho tido, diria que estou quase a ganhar alguma coisa.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Acreditar até ao fim


Ontem estive no Pavilhão Atlântico. Não eramos vinte mil, mas também não tínhamos autocarros para nos trazer, nem andámos a arregimentar rebanhos para lá ir, como diz o candidato. Quem lá foi, foi porque tinha vontade de ir, não porque calhava.
A campanha de Manuel Alegre teve sempre esta tónica: quem apareceu, apareceu com uma enorme vontade. Quem apareceu fê-lo por amor à liberdade, e não porque tinha de fazer o frete ao partido. Esta vontade que move montanhas através de gestos simples é uma força muito poderosa que dará resultados no Domingo. É nisso que acredito, contra os que desanimam e se conformam com a coroação há muito anunciada.
Acredito na passagem à segunda volta por muitas razões.
Porque há muita gente indecisa que pode a todo o momento descair para o nosso lado. Porque nesse momento solitário e secreto em que se entra na cabine de voto e pomos o papel à nossa frente muita coisa nos passa pela cabeça. Porque nesse momento em que ninguém está a ver somos integralmente livres. Porque aí não há confusão possível entre quem achamos que vai ganhar, quem achamos que pode ganhar e quem queremos que ganhe, e a nossa vontade é soberana. E por último, porque em última análise a capacidade de sonhar e rasgar horizontes vale mais do que a capacidade de fazer contas, a vontade de ganhar vale mais do que a vontade de mandar. Merece mais ganhar aquele que luta do que aquele que acha que o lugar lhe está destinado.
No domínio da possibilidade, as probabilidades estão repartidas: a vitória de Cavaco à primeira volta é provável, mas a segunda volta também o é. Não é só um delírio visionário, é uma possibilidade cada vez mais concreta.
Aos que me chamam utópico respondo que essa é a única maneira de que vale a pena viver a vida. A utopia não é o irrealizável, é o que ainda não está realizado. A utopia é esse horizonte em movimento em direcção ao qual caminhamos sem a certeza de chegar mas com a certeza de que no caminho tudo o que fazemos é ganho.
Recuso a desilusão, o desânimo e o conformismo. Esses são os verdadeiros nomes da ameaça, pegando no que disse o poeta ainda ontem. Como já disse muitas vezes, só perdemos os combates em que não vamos à luta. Até ao árbitro apitar há jogo, e o prolongamento está perto. Só é preciso aceditar na força da nossa vontade de sermos livres, como no poema de Manuel Alegre de que se fez o hino da juventude, e que deixo em baixo.

Letra para um hino

É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.

É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.

É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.

Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Alegria, alegria!

Aos poucos a mensagem vai-se tornando contagiante. De boca em boca, passando a palavra aos amigos, roendo o pessimismo e o desânimo, enquanto Cavaco se afunda Manuel Alegre vai descolando de Soares, suportado pela multidão que não desiste, que acredita.
A alegria anda no ar.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

King Jackson


Há na obra de Peter Jackson um padrão de evolução muito semelhante à de Spielberg. A começar por, através de um blockbuster que lhe encheu os bolsos, ter conquistado o direito de fazer em cinema tudo o que quer e lhe apetece sem ter de se preocupar com dinheiro ou com agradar a alguém. E depois é o próprio modo de fazer cinema. Vemos um filme seu e a sensação que se tem antes de qualquer outra é a de que o homem se diverte imenso a fazer aquilo, e procura divertir os outros, sem preocupações académicas ou de respeito a qualquer cânone, mas sem qualquer superficialidade. Até na orgia de sangue que é Braindead não há futilidade no meio de toda a inverosimilhança que existe numa praga de canibalismo zombie propagada por contaminação de criptozoológica de ratazanas.
Os seus filmes são consistentes, têm conteúdo sem deixarem de ser lúdicos, mas não são propriamente do tipo de filme de Domingo à tarde, limitados a uma mera função de entertenimento despreocupado. Conseguir isso é, para mim, conseguir a quadratura do círculo.
Vai-se ver o King Kong e pelo preço do bilhete tem-se divertimento à velha maneira de Hollywood e momentos de sublime inspiração, como a relação que se cria entre a Bela e o Monstro, mais aprofundada do que na versão original e que culmina na coreografia do "beau-ti-full": contenção de recursos estilísticos e uma grande capacidade de síntese que está em dizer muito falando pouco.
O filme é rico em pormenores que não escapam à atenção de cinéfilo, incluídos com toda a subtileza.
O realizador Carl Denham, dado a delírios e megalomanias de génio, preocupado com a sua obra acima de tudo o resto, tem traços carregados de Orson Welles, com referência, en passant, a Cecil B. De Mille, o pai dos monumentais épicos da era de ouro de Hollywood.
A Fay a que se refere quando procura uma actriz para substituir a protagonista é Fay Wray, que fez o papel de Ann Darrow no filme original, e filme que se diz estar a fazer para a RKO é o próprio King Kong de 1933 (este é feito pela Universal).
No filme original há uma cena em que o capitão fala com Ann sobre o inconveniente de ter mulheres a bordo. No filme de Jackson, a cena é repescada para o filme dentro do filme, e é realizada por Carl Denham no barco, ainda em viagem.
E a minha preferida: o livro que o jovem grumete anda sempre a ler, "para se instruir", é Coração das Trevas, de Joseph Conrad, o livro que serviu de inspração a Apocalypse Now, e que trata de uma viagem pelo rio Congo acima, à procura de um louco (o monstro), e a caminho da loucura.
Apropriado, mais do que apropriado.