sábado, novembro 26, 2005

O Poder está na palavra


Já o escrevi aqui e aqui : a série The West Wing/Os Homens do Presidente é das melhores coisas que se fizeram em televisão. Na altura em que escrevi, o AXN ia passar o episódio que encerrava a segunda série, num ponto em que o Presidente se debatia com a decisão de se recandidatar ou não, depois de ter anunciado ao público que sofria de esclerose múltipla, uma doença progressivamente incapacitante. O problema não era tanto ter a doença, era nunca tê-la revelado ao público americano, nem aos seus colaboradores próximos.

O escândalo, de dimensão semelhante ao escândalo Monica Lewinski, embora com contornos edificantes, fez com que Jed Bartlet fosse pressionado a anunciar que não se recandidataria, apesar de o Partido Democrático, ao qual pertence, querer a sua demissão para que o Vice-Presidente assumisse o cargo e lançasse a sua candidatura - tudo para em nome do superior interesse do partido. Tudo isto surge numa altura em que o Presidente vê-se a braços com um golpe de Estado no Haiti e com a morte num acidente de viação da sua amiga e secretária pessoal, que o conhecia desde que era um jovem estudante no colégio que o pai dirigia e para quem ela trabalhava.

Apesar disso, Bartlet decide - à última da hora e quando tudo indicava o contrário - recandidatar-se, e é pel a forma como tudo se sucede e é contado que interessa ver o episódio Two Cathedrals.

Não pude deixar de obter os dois episódios seguintes para matar a curiosidade. E o ponto da situação é este: Bartlet tem problemas conjugais, por ter anunciado a recandidatura, e com a sua equipa, por que nunca lhes contou da doença. Para resolver a situação é chamada uma equipa de estrategas políticos de créditos firmados, o que acarreta inevitáveis atritos com os membros do gabinete presidencial. A equipa prepara exaustivamente o discurso a apresentar numa cerimónia pensada ao milímetro para anunciar a recandidatura, e uma das questões é: deve o presidente pedir desculpa ou não, já que ainda não o fez?

Momentos antes da cerimónia ainda se discute com um dos estrategas que palavras escolher. E é então que aparece um momento de inspirada retórica política, que passo a transcrever, e que demonstra o poder da palavra na política:

- "Torpor" é uma palvra que muita gente não sabe o que significa. - Significa "apatia", "adormecimento". - Sim mas muita gente não sabe isso, e se não sabem...

(o Presidente entra na sala e interrompe a conversa)

- ... se não sabem o significado, que procurem saber. O nosso trabalho não é apelar ao mínimo denominador comum entre as pessoas, mas sim aumentá-lo. Se eu quero ser um presidente educativo, será bom não esquecer que tenho educação. Churchill e Roosevelt foram homens sérios que usaram grandes palavras para grandes objectivos.

(o Presidente dirige-se à sua equipa)

- Parece que nunca cheguei a pedir desculpa. Mas peço. Peço desculpa pelos [incómodos causados pelos] advogados, pela comunicação social, pelo medo. Estes tipos são bons e querem ganhar, tal como nós. A única coisa que queremos mais é ter razão. Será que conseguimos as duas coisas?
Há uma história nova para escrever, e nós vamos escrevê-la: pode-se se ganhar com uma campanha inteligente e disciplinada. Se nunca dissermos nada, nada que nos traga problemas, nada que possa ser uma gaffe, nada que possa indicar que pensamos o que não devemos, nada que indique que pensamos... então isso não é digno de nós, nem é digno de uma grande nação.


Parece-me muito a propósito.



sexta-feira, novembro 25, 2005

Ufa...


Lembrar-me eu que um dia saí da faculdade a pensar que advogado é que era, que no meio da angústia de dar o passo em frente sem saber se o chão me falhava aquela até podia ser a opção de futuro.
Sorte foi não ter entrado para a faculdade com esse objectivo como único, e fazer Direito porque que outra opção me poderia modelar e formar e preparar da forma que eu queria que não essa? Assim não foi desilusão, só chatice.
Ainda se o trabalho de fazer a justiça fosse uma missão confiada a nós como aos médicos se confiam as vidas, e o apoio judiciário não fosse só um forma de reduzir a vergonha do Estado por nada funcionar como deve, serviço pago à peça, a modos que um frete para se cumprir a Constituição.
Não basta ter jeito e gostar de retórica. É preciso querer ganhar a vida a fazer aquilo.
Bom seria uma coisa assim para o administrativo, de serviço público, com o cidadão à espreita.
Agora sim, está bem.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Tenho um anúncio a fazer:

Finalmente percebi as mulheres.

sexta-feira, novembro 18, 2005

A felicidade nas pequenas coisas


Apresento a mais recente paixão da minha vida: uma bola de rugby Kipsta RG 300 que comprei ontem na Decathlon por uns míseros seis euritos e noventa e cinco cêntimos, made in India e provavelmente incorporando trabalho infantil, mas isso agora não interessa nada.
Se o sonho de menino do Tony Carreira era ser cantor popular, o meu passava por muitas coisas, entre as quais ser mergulhador, jogar no Benfica e ter uma quinta onde criasse vacas. Entre as pequenas coisas que me fariam feliz estava ter uma bola de rugby a sério.
Começou quando um dia fui com a família à Feira da Agricultura em Santarém e havia uma barraquita (hoje seria um stand comercial) a oferecer uma bola de rugby (na altura era reiguebi) a quem comprasse uma palete de Capri-Sonne.
Eram famosíssimas as bolas de futebol oferecidas pela Capri-Sonne, ícone do património visual e gustativo da minha geração, feitas de um plástico rasca perfeito para rebentar nas futeboladas que se jogavam na rua, apropriadas porque se podia disparar directamente para o vidro de uma janela sem o partir, o que evitava os correspondentes ralhete e palmada.
Mas uma bola de rugby era uma coisa muuuuito à frente. Ninguém tinha uma.
A minha vida social teve um temporário sobressalto, enquanto durou o perfume da novidade. Mas a minha bola de rugby azul a dizer Capri Sonne acompanhou-me sempre até há bem pouco tempo, quando deixei de a ver, talvez desaparecida num dos frequentes surtos de febre arrumadora de que sofre o meu pai, aos quais mais propriamente poderia chamar exterminações de património.
Desde então que sonhava ter o meu dinheiro para comprar a coisa a sério. Ontem calhou.
Passo grandes bocados a mandá-la contra a parede e a apanhá-la, assim, só pelo gozo da coisa.
Agora, bom, bom, era que o Koeman me convocasse para jogar contra o Manchester.

sexta-feira, novembro 11, 2005

A 'nha terra é linda!


Poucos habitantes da cidade perceberão o encanto de viver numa terra onde se trata por tu o homem do café, ou se cumprimenta a senhora da mercearia quando a vemos na fila para o médico no posto clínico, ou se desatina com a funcionária da Junta quando andamos a recolher assinaturas para um tipo que quer ser presidente da República, apenas para acabar tudo num bem disposto "só tu para me moeres o juízo", ou se pede uns garrafões de água ao vizinho que tem um furo porque acabou a água da companhia.
Mas na cidade ainda há alguns focos de resistência à agressão da paisagem urbana ao espírito. Veja-se este trecho retirado da crónica de hoje do cityslicker Miguel Sousa Tavares no Público, sobre o seu Bairro de Campo de Ourique:

«O melhor exemplo deste espírito de liberdade e tolerância mútua que aqui presenciei é um exemplo muito politicamente incorrecto, ocorrido manhã cedo, no café onde sempre tomo o pequeno-almoço. Uma senhora, cliente habitual, pediu um café e acendeu um cigarro. Nessa altura, um sujeito que eu nunca ali tinha visto e nunca voltei a ver, empertigou-se todo e, rico de novos conhecimentos adquiridos, interpelou-a "Minha senhora, o cheiro do seu cigarro está-me a incomodar!" E ela sem sequer se voltar, soltou de lado, mas alto e bom som: "Olhe, também o seu cheiro me está a incomodar, mas eu não lhe ia dizer nada." E o intruso saiu, de rabo entre as pernas e perante os sorrisos cúmplices dos habitués (oh, eu sei, um bando de selvagens!)»

quarta-feira, novembro 09, 2005

Dos heróis


Em qualquer cultura haverá de forma mais popular ou erudita o culto dos heróis. A antiguidade clássica deixou-nos Aquiles, Ulisses, Hércules, Jasão e Teseu. Sindbad chegou-nos por contágio da Arábia. A cavalaria medieval deu-nos o estereótipo do novo herói com o rei Artur e a Távola Redonda, e Cervantes explorou exaustivamente o conceito com D. Quixote (a ele chegarei um dia).
O século XX recuperou o papel do sobrenatural e apresentou-nos os super-heróis da banda desenhada, objectos acidentais de um cientifismo delirante, em que para grandes males só mesmo super remédios.
Deste tipo de heróis, Batman é o meu preferido (lembro-me sempre do Batman na hora de vestir o fato de surf).
Batman nunca teve essas mariquices de super-poderes que fazem do trabalho dos outros super-heróis um passeio na avenida. E no entanto parece um verdadeiro super-homem. Bruce Wayne percebe que o que importa não é a pessoa por trás do fato, mas a ideia que os outros fazem dela - o poder está no símbolo. Enquanto que os outros super-heróis andam às voltas para salvar o mundo, em Batman isso apenas é um aspecto marginal da história: o que realmente interessa é a dimensão humana do mito; não o que os outros vêem naquilo que ele faz, mas aquilo que nós, espectadores da histórias, vemos no homem.
A história de Batman teve a sorte de ser pela primeira vez abordada em cinema pelo poeta que é Tim Burton. Com o Homem-Aranha o esforço nunca foi muito sério, e o resultado foi patético - mas a verdade é que também a personagem não se presta a isso.
Em Batman Begins, Christopher Nolan baralha e volta a dar, conta a história de maneira diferente, mas muito complementar à leitura de Tim Burton, embora o que se ganhe em credibilidade se perca em poética. Explicar a personagem, esmiuçar as linhas com que ela se cose, tem o risco de a desfazer, como se desmontássemos um aparelho: podemos ficar a perceber como funciona, mas também podemos não conseguir que ele volte a ser o que era para nós (para começar, porque pode não voltar a funcionar).
Eu gosto daquele Batman, o Batman que também ganha cicatrizes e nódoas negras. Aquele é o Batman que fica para a história, não o Batman de Joel Schumacher, não o Batman dos anos 60, da TV.
Batman é um grande herói porque é humano como nós. Para heróis sobrenaturais prefiro o Thermoman, na SIC Comédia ou na 2:.

domingo, novembro 06, 2005

Bom tempo


Gosto deste tempo, gosto do frio que fica depois da chuva lavar as ruas, gosto do frio que nos entra no corpo e nos puxa para procurar aconchego, gosto de andar na rua, de uma casa para outra, de casa para o café. Gosto de ir ao quintal depois de jantar apanhar uma tangerina para a sobremesa da tangerineira carregada onde uma família de passarinhos me deu a alegria de fazer o ninho. Gosto do frio porque me faz sentir mais próximo de mim mesmo.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Tropicália

Tom Jobim e Vinicius de Morais

Do Brasil vem muita coisa boa, a começar pela música. Bem, quase toda a música. É da boa música brasileira que se vai falar hoje na 2.ª hora do Cogitasons, das 23h à meia-noite, à volta dessa ambrósia musical que é a bossa nova, com uns pozinhos de MPB. O alinhamento é como segue:

João Gilberto - Chega de Saudade
Astrud Gilberto e Tom Jobim - Água de Beber
Elis Regina e Tom Jobim - Águas de Março
Elis Regina e Tom Jobim - Samba de Uma Nota Só
João Gilberto - Esse Seu Olhar
Stan Getz, Astrud e João Gilberto - Garota de Ipanema
Stan Getz, Astrud e João Gilberto - Corcovado
Tom Jobim, Miucha, Chico Buarque - Vai Levando
Frank Sinatra - Baubles Bangles and Beads
Caetano Veloso e Gal Costa - Coração Vagabundo
Tom Jobim & Sting - How Insensitive (Insensatez)
Tom Jobim - Eu Sei Que Vou Te Amar
Chico Buarque - Samba pa Vinicius
Maria Bethania - O Meu Amor
Caetano Veloso - Leãozinho
Caetano Veloso - Sozinho
Seu Jorge - Mania de Peitão
Maria Rita - Caminho das Águas
Chico Buarque - A Banda
Marisa Monte - Rosa